6 dilemas da moda x sustentabilidade
- Alessandra Campanha
- 1 de nov. de 2019
- 10 min de leitura
Atualizado: 20 de mar. de 2023

Após tantos cursos e talks que participei no decorrer desse ano de 2019 sobre moda sustentável, percebi que o assunto ainda é utopia. Por mais bem intencionado que estejamos, ainda causamos grande impacto negativo na natureza.
Estamos apenas no começo de uma Nova Era, que entende as consequências do crescimento desordenado da economia, da humanidade e da tecnologia no meio ambiente.
Marketing Verde & Greenwashing
Esse assunto sempre me interessou e lá atrás em 1993 fiz meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) sobre o Marketing Verde da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.
De lá pra cá muita coisa mudou. O que antigamente era conhecido como Marketing Verde, onde qualquer menção à natureza era um diferencial empresarial, hoje vivemos em uma sociedade mais consciente e que pede transparência das marcas que usam esse conceito em suas ações de comunicação.
As empresas que usam o assunto apenas como oportunidade são entendidas por fazer Greenwashing, termo usado pela apropriação indevida ou sem justificativas - também por organizações e governos - visando a promoção de iniciativas enganosas de sustentabilidade e responsabilidade ecológica — daí a palavra “verde”.
O termo washing, no Brasil (e neste contexto), é também livremente traduzido por “maquiagem”, já que é algo que encobre ou disfarça ações ambientalistas mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas.
O Greenwashing é uma estratégia que serve tanto para vender falsamente a sustentabilidade ao consumidor como para esconder ações que, na realidade, agridem o meio ambiente.
Dados da pesquisa acadêmica de 2013 do ecólogo Erico Pagotto, “Greenwashing: os conflitos éticos da propaganda ambiental”, publicado no jornal digital Nexo, mostram que o Greenwashing pode ser aplicado, ainda, por meio de discursos manipulados (exageros, afirmações irrelevantes, genéricas ou pretensões irreais), mentiras (dados falsos, distorção da realidade e jargões técnicos incompreensíveis) e venda (anúncio de produtos “verdes” com celebridades e criação de “ecolojas” físicas ou virtuais).
Para se aprofundar um pouco mais nessa questão, sugiro a leitura de duas matérias do jornal inglês The Guardian:
- The Troubling Evolution Of Corporate Greenwashing (3º tópico mais popular no site deles) que conta que, desde os anos 1980, a prática vem aumentando drasticamente e de forma cada vez mais sofisticada;
- The Future Of Waste: Five Things to Look for by 2025 (7ª item mais procurado nessa coluna do site deles) que aborda outras questões como destino do lixo e a nova cultura da Economia Circular.
Se há uma coisa em que todos os especialistas em resíduos concordam é que o modelo linear de fazer > usar > descartar no qual nossa sociedade está acostumada precisa ser abandonado para sempre. É tudo uma questão de "pensar circular" hoje em dia. Isso quer dizer: desde a criação do produto é preciso planejar a continuidade dele após o descarte. Mas tecer um sistema econômico de maneira harmoniosa e interminável de reciclagem e reutilização não é tarefa fácil.
O que é Sustentabilidade no Mercado de Moda?
A moda sustentável é aquela que tem seus princípios baseados no respeito ao meio ambiente e à sociedade, desde a agricultura do algodão ou da criação do tecidos sintéticos de menor impacto, passando pela valorização das comunidades locais, de cada um dos trabalhadores industriais ou artesão envolvidos nas diversas fases de produção da peça (de roupa ou acessório) até o incentivo ao consumo consciente.
Pensando mais a fundo em cada uma das particularidades e dos diversos fatores envolvidos, algumas questões se tornaram verdadeiros dilemas no mundo da moda.
Os tópicos mais recorrentes, debatidos nos eventos e sem resposta pronta que presenciei estão listados abaixo:
1. Couro animal, ecológico, sintético ou vegetal?
De acordo com uma lei brasileira de 1965 (confira o decreto aqui), a palavra couro destina-se apenas àquela de origem animal. Mas por conta dos avanços têxteis e para atender a uma nova demanda de mercado por produtos alternativos, vários novos tipos de tecidos com aspecto visual e funcional similar ao couro animal foram criados.
O couro ecológico é um produto também de origem animal, extraído principalmente de pele bovina, mas também podem ser utilizadas peles de cabra, jacaré, peixe, cobra, rã entre outros. A diferença desse tipo de couro é durante o tratamento que substitui materiais pesados, como o cromo, por substâncias alternativas, não tóxica e poluente, como os taninos vegetais. A grande vantagem do couro de origem animal é a durabilidade de longo prazo (chegando a décadas) e a estilização do desgate ao longo do uso, que torna a peça única e com aspecto vintage.
O couro sintético é aquele de origem industrial fabricado a partir de compostos químicos oriundos do petróleo. Possui 2 grandes vantagens: não tem origem animal e seu custo é mais baixo. No entanto é derivado de um produto poluente, não biodegradável e de vida útil aproximada de quatro anos.
O couro vegetal é aquele feito a partir do reaproveitamento de subprodutos vegetais, como o tecido de algodão banhado em látex, defumado e vulcanizado em estufas especiais das seringueiras nativas da floresta amazônica, do bagaço das uvas utilizadas na preparação de vinhos e da casca da maça ou do abacaxi, por exemplo.
São novos tecidos que levaram anos de pesquisa e aperfeiçoamento, têm pouco mercado comprador e por isso têm preço tão caro quanto o couro animal mas com vida útil desconhecida já que, só com o passar dos anos saberemos se serão ou não resistentes e duradouros no guarda-roupa.
Mas para quem é vegano, a resposta é certa: couro sintético! Tudo que for de origem direta ou indireta animal está fora de questão.
Peças que se desfazem e não podem ser passadas pra frente, vendidas ou doadas podem ser encaradas como onerosas simplesmente pelo fato de se tornarem um lixo iminente e desnecessário. Pois já é sabida a nossa limitação de tratar os aterros.

Para outra parcela dos consumidores a quantidade de água gasta no processo de produção, a quantidade de corantes usados e despejados nos corpos de água, o preço, o estilo e a durabilidade da peça no guarda-roupa são fatores levados em consideração.
Por conta da enorme quantidade de questões envolvidas, não existe uma resposta correta. Tudo depende do seu valor que é mais relevante ;)
2. Algodão orgânico ou comum?
A palavra “orgânico” é uma poderosa ferramenta de marketing. “Orgânico”, que geralmente significa que algo foi cultivado sem aditivos sintéticos ou pesticidas e não foi geneticamente modificado, parece ser a melhor alternativa.
No entanto, segundo o Cotton Inc., um grupo americano sem fins lucrativos que trabalha para ajudar a aumentar a demanda e a lucratividade da indústria do algodão, diz que um dos principais motivos é que as variedades convencionais de algodão têm maior rendimento, o que significa que uma única planta produzirá mais fibra do que uma orgânica.
Isso porque o algodão convencional tem sido geneticamente modificado para esse fim. Nos últimos 35 anos, os rendimentos do algodão aumentaram 42%, em grande parte devido à biotecnologia e melhores técnicas de irrigação.
Outra vantagem é que a agricultura tradicional de algodão no Brasil é referência mundial no baixo consumo de água.
Na contramão, o algodão orgânico requer 5x mais terra durante a fase de plantio. Apesar do seu alto custo, sua venda têm crescido pontualmente nos mercados de produtos para alérgicos e para as mães que procuram produtos menos tóxicos para seus bebês. Esses são os públicos mais interessados e beneficiados com as propriedades naturais.
3. Passar ou não passar a roupa?
O gasto de energia elétrica também é uma preocupação ambiental. Ele é um recurso natural limitado e tem impacto direto no dia-a-dia do vestuário, já que é costume do brasileiro usar o ferro de passar até mesmo em roupas íntimas e meias.
Outro dia ouvi um homem dizer que faz questão de passar suas roupas por dois motivos: porque o tempo gasto é uma atividade terapêutica e porque ele considera a roupa passada uma questão de respeito com as outras pessoas.

Seja qual for o seu motivo, saiba que existem alternativas para manter o visual cuidado com menos tempo e energia elétrica:
- Use vinagre para cumprir o papel do amaciante de roupas;
- Caso não goste dessa ideia, use sempre amaciante concentrado, ele ajuda a soltar as fibras e assim a roupa estica com maior facilidade. Tecidos naturais como algodão, seda e linho e mix de fibras com elastano têm resposta mais rápida às técnicas descritas abaixo;
- Após centrifugar, dê algumas sacudidas para o tecido esticar naturalmente, feche botões e zíperes para manter o formato alinhado da roupa e deixe secar em cabides. A gravidade vai fazer a sua parte;
- Certifique-se que o ambiente está arejado e que existe uma boa circulação de ar entre cada peça, assim você garante o delicioso cheirinho dos produtos de limpeza;
- Se você usa a máquina Lava e Seca, assim que o ciclo "Ferro Secagem" terminar, dê umas sacudidas na peça ainda quente para ajudar o tecido a esticar. Em seguida guarde-as no cabide;
- As peças que ainda tiverem um pouco de amassado podem ser rapidamente corrigidas - até mesmo antes de cada uso ou já vestidas sob o corpo - com uma mistura caseira de 50% de água + 50% de álcool líquido 46º de uso doméstico em uma garrafa de spray. O álcool acelera a secagem e quando evapora inibe a formação de manchas nas bordas da gota de água;
- Quanto mais difusa a distribuição do jato do spray, melhor o resultado.
Para outras dicas de como desamassar a roupa sem usar ferro, clique aqui.
Para dicas de como revitalizar a roupa entre lavagens, clique aqui.
Para aquelas peças que realmente necessitam de Passadoria (como camisas sociais e peças de alfaiataria) veja dicas de como passar a roupa com ferro, clique aqui e aqui.
4. Colocar o jeans (para lavagem a seco) no congelador?
Em 2014 Chip Bergh - CEO da Levi's -, marca especializada em jeans, causou verdadeiro rebuliço mundial ao anunciar que não lavava suas calças por meses e recomendou que, quando necessário, colocassem a peça em um saco vedado por 24h no freezer. De acordo com ele, isso era o suficiente para matar bactérias nocivas e que causam mau cheiro. No entanto, a eficiência é duvidosa.
De fato o jeans tem suas vantagens: não necessita de limpeza após cada uso, o modo "lavagem manual" é suficiente para uma boa higienização, o desgate natural estiliza a peça e a deixa mais confortável com o tempo, entre outros tantos benefícios que poderiam ser citados aqui.
O que vale ressaltar é que, o jeans é uma das peças que tem o processo de produção mais poluentes e com alto consumo de água. Estima-se que 5.196 litros de água são consumidos, desde o plantio até o momento do descarte da roupa.
No entanto, essa litragem refere-se ao Brasil, isso porque nosso algodão apresenta números inferiores de uso de água em comparação em outros países.
De acordo com a pesquisa "Pegada Hídrica Vicunha", umas das etapas com maior impacto no meio ambiente é o período em que a calça está com o consumidor final. Ao longo de cinco anos, o jeans é lavado, em média, a cada 15 dias, o que resulta em um gasto de 460 litros por calça. Para mais informações, leia a matéria completa aqui e conheça os números da Pegada Hídrica aqui.
Por isso é importante fazer valer sua aquisição, acertando no momento da compra e diminuindo os gastos de limpeza durante a sua manutenção em casa. Por isso, aquela dica (citada no item 3) de refrescar com borrifadas de água + álcool, entre as lavagens, é uma ótima solução para quem transpira pouco ;)
5. Comprar ou não comprar na Zara?
Depois do desabamento do Edifício Rana Plaza e a morte de mais de mil pessoas em Bangladesh (entenda a história aqui) a preocupação com as pessoas que fazem parte da cadeia de produção da indústria do vestuário se tornou uma grande preocupação mundial.
Poucos anos depois, a Zara e a Primark se tornaram alvos de vários escândalos de proporções mundiais. O primeiro caso foi quando em 2015 clientes em Istambul encontraram mensagens de desespero no bolsos e pedidos de socorro costuradas em etiquetas da marca escritas por funcionários não pagos. Logo depois, outras ocorrências foram encontradas na Europa.
No Brasil, a Justiça já condenou a Zara por trabalho análogo a escravidão. Veja uma das muitas matérias televisivas sobre o caso aqui.
Pensando na dimensão que a empresa de fast fashion tem no mercado mundial, muitas pessoas se questionam se vale ou não a pena continuar comprando na Zara. O dilema pesa no bolso, já que ela pratica preços mais baixo que os concorrentes e consegue entregar com agilidade as principais tendências de cada estação.
Em 2016 a Zara criou a Join Life, uma coleção cápsula com matéria prima ecologicamente correta, com monitoramento e transparência das muitas das fábricas terceirizadas envolvidas. Isso fez muitos se questionarem. Isso é o suficiente? A resposta é: claro que não! Mas muitos entendem que é um primeiro passo que mobiliza toda a concorrência em escala mundial.
No lançamento da Join Life, a coleção ocupava 10% das araras da Zara, em 2020 ocupará 25% e a promessa é um crescimento progressivo para se encaixar nessa Nova Era. Até 2025, o objetivo é usar somente poliéster reciclado e garantir que toda a sua viscose, linho e algodão sejam produzidos de forma mais sustentável.
É visível que atitudes como essa são uma reação. Por conta própria, as empresas se acomodariam nas versões mais fáceis e baratas de produção. Com isso, ratificamos a importância de se endossar ou não uma marca por meio das nossas compras.
6. Como identificar o Greenwashing?
Essa não é uma tarefa fácil e requer empenho do consumidor. No entanto, alguns indicadores podem ser observados nas embalagens e nas publicidades:
- Discurso ambientalista com exageros, afirmações irrelevantes, genéricas ou pretensões irreais;
- Uso de imagens, sons ou vídeos ambientais sedutores;
- Tratamento das obrigações legais como investimentos em meio ambiente. Por exemplo, o tratamento da água que vai para os corpos hídricos é responsabilidade de cada empresa. Em contrapartida, o governo garantiu que as indústrias percebessem as vantagens fiscais do reuso da água e isso incentivou muitas soluções na cadeia produtiva. Se a empresa usa isso como forma de marketing, é Greewashing;
- Alegação de custo excessivo de medidas ecologicamente mais corretas;
- Esquivar-se de intervenções externas alegando que resolverão o problema sozinhos;
- Incentivo para contribuição dos clientes, estimulando sugestões de novas formas de ser e de tornar a empresa mais “verde”;
- Anúncio de produtos “verdes” com celebridades;
- Criação de ecolojas físicas ou virtuais;
- Pesquisa. A Good on You , empresa sem fins lucrativos, faz um ranqueamento de marcas de todo o mundo, avaliando o desempenho de cada uma delas no que diz respeito a sustentabilidade, tratamento de animais e ética na cadeia de produção. No Brasil existe o app Moda Livre que torna transparente as informações de fabricantes nacionais.
Mas então o que fazer?!?
Não há uma fórmula certa. Porque cada pessoa tem algum aspecto de sustentabilidade que pesa mais na balança.
A melhor maneira de reduzir o próprio impacto é usar o máximo possível do que já tem e diminuir a quantidade de roupas compradas. Reaproveitar o que não usa mais por meio de upcycling, venda ou doação (economia circular). Lavar conforme o necessário, diminuindo o consumo de água e energia, itens igualmente importantes e limitados.
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